sexta-feira, 28 de setembro de 2007
Um encontro
Em passeata uma mulher linda e triste
Trazia uma faixa de dois metros adiante:
Mortuária e Floricultura
E o nome da rua onde nasci
Pintado de verde cintilante
terça-feira, 25 de setembro de 2007
As vozes dos meninos jardineiros
Hoje mais uma vez eles chegaram voando
Debaixo da mesma chuva infernal
Barreiras caídas na terra encruada
Nada avisaram dizendo que vinham
Nem som, nem bandeira cravada, nem sinal
Tudo foi tão calmo como um canto mudo
E de repente brotou foi música no feio do mundo
E era um alvoroço que só vendo, e eu no meio
Girando tontinha cheia de nós batendo no peito
Uma plantação de beleza se chama manancial?
Onde começa e quando termina a memória do salto?
Quanto sangue se move para alcançar esse vôo?
Desertos no corpo, tatuados em mapas, exalam asas?
Quando cavaremos no solo o lugar mais alto?
E aquele grito, qual dia comerá animal que o caiba?
Nunca se tece o tempo na própria carne
Que chegada e partida são feridas irmãs
--------------------------------Só doem juntas.
O que é a existência afinal?
Oxe! Hora de dar um trago...
*
*
*
*
*
A delicadeza de um sonho
cujo único sentido
------------------------é a vida
Vamos, para seguir, resta a lida
Às seis e oito nascer bicho que regue
Essa dança vai até o início da noite
Às dezoito lamber esterco e gozar adubo
Às vinte e três aguar todo chão que seque
Durante a madrugada emprenhar belezas
Toda terra é querência, é mãe por natureza
E apesar da dor do parto, tudo é semente
E bem livre para ser mais belamente, sempre
Brindemos então e sujemos as mãos. Já!
Não se planta ventos nos pés sem sangrar mesmo
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
Rotação
Bicho faminto inventando risos
Tragando dores que se alimentam
Das suas próprias vísceras. Que nojo!
Vomitando luzes à cegueira do dia
Bicho mentiroso mostrando os dentes
Escondendo os podres nos lábios úmidos
A cópula vital da beleza que não tenho
Com o grito demente que silencio
Idiota! Pobre poesia!
Por favor, não me julgue por isso
[é a minha última chance de amanhecer hoje
Acendi tantas luas em meu ventre cheio
De crescências e nadas que pari dois sóis
De cócoras na boca da noite
Para dar de presente aos homens
Só depois da orgia, em meio ao espasmo
O corpo estripado, as carnes pelo chão
Vi os gêmeos devorados em meu avesso
E sem voz confessei ao espelho: “Fui eu”
Amputei escuros na dor do parto
E lambuzei o cadáver inteiro
Numa hemorragia de estrelas
Pintei as unhas de auroras
Enfeitei os cabelos de arrebol
Feri todos os desesperos de azuis
-------------------------------E saí por aí
Ainda feia
Mas vestida de pétalas
Para inocentar ao menos
Os espinhos que não são meus
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
A mesma canção escrita por duas décadas de saudades
Para Carlos Drummond de Andrade
Do meu primeiro amor
não ressuscitei impune
Nove dias antes do aniversário
Ele me deixou seu mundo e nunca mais morreu
Saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou
e “do maço
------------------_ vazio _ de cigarros, ficou um pouco”
Pouco mudou dos tempos que foram
Quando entre os brinquedos e o futuro
Ríamos e chorávamos juntos
“O amor não tem importância”
Disse-me certa vez um poeta
Por quem me apaixonei no berço
Pouco mudou dos tempos de antes
O canto nunca mais foi cego
E o espasmo
(longo demais para ser feliz)
Ainda incendeia as carnes
Tudo dói e todavia ouço suspiros mais altos
Do que os gritos que sempre me assombram
Sim, a minha boca verte cheiro de mato
Embebedo homens na rua
Amo dançar nua ainda e te traí umas vezes
As estrelas continuam marcadas na inocência do céu
Como cicatrizes, de verão a inverno, tirando uma ou outra
Pouco mudou dos tempos em nós. Tudo dói, mesmo as alegrias
Se o amor não mais queimasse, eu bem que desnascia e acho que era feliz
Ah! Aquela menina a quem ensinaste libertar o sonho poeta
Não costumou brincar de tempo, só de poesia
Ah, será que lembrarias do José?
Envelheceu também
Mas continua na mesma esquina
Naquela antiga encruzilhada
E do primeiro amor, do José, dos gritos, da gente
Ficou de tudo um pouco
--------entre os ratos e elegias das minhas alegrias
Do meu primeiro amor
não ressuscitei impune
Nove dias antes do aniversário
Ele me deixou seu mundo e nunca mais morreu
Saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou
e “do maço
------------------_ vazio _ de cigarros, ficou um pouco”
Pouco mudou dos tempos que foram
Quando entre os brinquedos e o futuro
Ríamos e chorávamos juntos
“O amor não tem importância”
Disse-me certa vez um poeta
Por quem me apaixonei no berço
Pouco mudou dos tempos de antes
O canto nunca mais foi cego
E o espasmo
(longo demais para ser feliz)
Ainda incendeia as carnes
Tudo dói e todavia ouço suspiros mais altos
Do que os gritos que sempre me assombram
Sim, a minha boca verte cheiro de mato
Embebedo homens na rua
Amo dançar nua ainda e te traí umas vezes
As estrelas continuam marcadas na inocência do céu
Como cicatrizes, de verão a inverno, tirando uma ou outra
Pouco mudou dos tempos em nós. Tudo dói, mesmo as alegrias
Se o amor não mais queimasse, eu bem que desnascia e acho que era feliz
Ah! Aquela menina a quem ensinaste libertar o sonho poeta
Não costumou brincar de tempo, só de poesia
Ah, será que lembrarias do José?
Envelheceu também
Mas continua na mesma esquina
Naquela antiga encruzilhada
E do primeiro amor, do José, dos gritos, da gente
Ficou de tudo um pouco
--------entre os ratos e elegias das minhas alegrias
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Sobre o meu caso de amor com um rio submerso numa cidade que mostra os dentes e sua gente
Vi o céu ao longe
Confundia-se em rio
No meu horizonte
Confundia-se em rio
No meu horizonte
Um rio azul
Ao longe
De perto
Água turva
Lamacenta
Doída
Ao longe
De perto
Água turva
Lamacenta
Doída
Meu nome é Capibaribe
Não me venha dizer que sou azul
Nunca fui anjo
O que sou é beleza
Só por saber-me água
Que passa
Que segue
Que lava
Que larva, suja
Espírito morto
Saindo do ovo
Navegando a vida
Não me venha dizer que sou azul
Nunca fui anjo
O que sou é beleza
Só por saber-me água
Que passa
Que segue
Que lava
Que larva, suja
Espírito morto
Saindo do ovo
Navegando a vida
Dores da lida
Mordidas banguelas
Beijos sem línguas
Fomes sem peixes
Caranguejos errantes
Mordidas banguelas
Beijos sem línguas
Fomes sem peixes
Caranguejos errantes
Moro no rio
Não no Recife
A cidade é que me corta
Em pedaços de gente
Homens inteiros
Em pedaços
Rio inteiro
Em pedaços
Eu inteira
Em pedaços
Não no Recife
A cidade é que me corta
Em pedaços de gente
Homens inteiros
Em pedaços
Rio inteiro
Em pedaços
Eu inteira
Em pedaços
Em tua lama submersa
Escrevo alma
Com a alma em lama
Nado
Nua
Águas da cidade
Do povo
Caranguejos errantes
Corpos de fome
Mordidas sem dentes
Segurando a vida
Escrevo alma
Com a alma em lama
Nado
Nua
Águas da cidade
Do povo
Caranguejos errantes
Corpos de fome
Mordidas sem dentes
Segurando a vida
Por que segues passando?
Quem dera ficasses
Tu, eu e o mundo
Em banho
Em nado
Quem dera ficasses
Tu, eu e o mundo
Em banho
Em nado
Mas o azul não há
É só a ilusão do céu
Que refletes ao longe
Em tuas águas lamacentas
Espírito morto
Saindo do ovo
Navegando a vida
Como os homens que te habitam
E como todos que te sonham em cores
Como eu
É só a ilusão do céu
Que refletes ao longe
Em tuas águas lamacentas
Espírito morto
Saindo do ovo
Navegando a vida
Como os homens que te habitam
E como todos que te sonham em cores
Como eu
Chamo-te Capibaribe
E me emprestas tuas águas
Turvas
Cuspindo-me a cara
E me emprestas tuas águas
Turvas
Cuspindo-me a cara
Mergulho
Quero lamber do cinza
O azul que se esconde
Quero lamber do cinza
O azul que se esconde
A mordida banguela
A fome
Beijei
Sorri
Amei
Emprestei meus dentes
E passei, como tu
Caranguejos errantes
A fome
Beijei
Sorri
Amei
Emprestei meus dentes
E passei, como tu
Caranguejos errantes
Agora só a pintura anil
Em teus olhos negros
Lamacentos
Em teus olhos negros
Lamacentos
Não, emprestarei meu riso
De novo
Meu amor
Minha mordida
Segurando a vida
Dos homens sem dentes
Que te habitam
De novo
Meu amor
Minha mordida
Segurando a vida
Dos homens sem dentes
Que te habitam
Beberei da tinta azul
Eternamente
Lavável
Menos no corpo
Sangrando embriagado
Em tua lama
Em tantas almas
Eternamente
Lavável
Menos no corpo
Sangrando embriagado
Em tua lama
Em tantas almas
terça-feira, 11 de setembro de 2007
Noites de Yelda
Uma editora do Rio de Janeiro premiou o poema abaixo com uma menção honrosa num concurso de poesias. Foi bom, fiquei feliz. Agora divido com vocês, meus amigos, meus confidentes, que conheceram o "barro cru" como um segredo.
As minhas noites de yelda*
de repente estão claras.
A insônia me habita,
mas não sem estrelas.
A língua me lambe em brasa,
o silêncio me rompe em dores
e prazeres.
Estou nascendo!
As minhas noites de yelda
são desenhadas por brilhos meus
e, como eu,
não esperam pelo sol.
Vou me lambuzar de melancia
e de águas azuis.
Ao contrário da crença,
só porque quero a sede
do verão seguinte.
*No Afeganistão a primeira noite do inverno, a mais longa do ano, é conhecida como a noite de yelda. Envolvida por mistérios, acredita-se que quem comer melancia nesta noite, não terá sede no verão seguinte. Para os poetas, é a noite sem estrelas; a mais longa do ano e completamente escura, quando os que sofrem de amor esperam dolorosamente pelo sol para que ele possa trazer a pessoa amada.
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
Instinto
Tenho lágrimas quentes, medos que dissolveram muitos aços
Tenho olhos que dizem mais do que multidões, mesmo fechados
Tenho dedos feitos de delicadécio, elemento ainda não desenhado
--------------------------------------------------------na tabela periódica
Tenho uma dor feita de mundo, dilacerando o profundo nas janelas
Míopes e afiadas, escorrendo garfos de prata em minha garganta seca
Tenho quase tudo além da inocência que logo me matará de novo
Ontem ganhei mais dois dias de vida e fui à feira procurar multidões
De corações... Não para amar, para triturar com os dentes
refazê-los no ventre e saciar a eternidade
Voltei para casa sem nada, sem olhos, sem dedos, sem lágrimas
Todo o delicadécio entranhado nas mãos não salvou um homem
---------------------------------------------------------------nem a mim
E ontem ganhei mais dois dias de vida
No corpo inteiro para gastar entre nós
Do aço nas lágrimas quentes
permaneço amolando as facas
Hoje não suporto talhos, arranhões, nem tiros de raspão
Só quero aquilo que rasga, lacera, atravessa
Arrotei! É que acabo de comer dois corações
um deles era o meu... e por enquanto me acalmo
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
Poema de mulherzinha
Depois de ir ao céu e voltar trinta e duas vezes
Tossi sete penas de anjo bêbadas de sangue e uma branca
Desci mais um pouco e me vesti de fogo
Inspirei novas fontes rubro-violeta-amareladas
Inventei mil e sete degraus plantados
Entre as tripas cozidas no ventre
Para subir e descer sem asas e sem chão
Perdi-me entre os cacos achados no corpo
Ontem me mandaram de volta à terra dos sonhos
Virgílio e Dante eu vi, mas longe demais
Para tocar-lhes os lábios e também Beatriz
No exílio sem porto, sem véu, sem inferno
Sem morada fixa construí um terraço
Acho que por isso, atrás da boca sinto assim
Como uma galinha de cabidela recheada de mim
Num mundo-moela misturando ao meu caldo
A fome de olhos alheios, peitos, risos e sobrecus
Temperados com sal, pimenta, coração, fígado e alho
E um pouco de cachaça
arrotando uma esperança
na tentativa de um poema
que junte sete penas bêbadas de sangue
e uma branca
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