terça-feira, 29 de março de 2016

visões ordinárias de uma vida-borboleta em estado Terra

hoje a qualquer encontro
não estarei isenta o suficiente
para não perturbar teu olhar

peço perdão por delicadeza
e me entrego aos desígnios
do Grande Mistério

aceito tudo que brote no caminho
aceito tudo que morra na caminhada


honro e honrarei cada passo
cultivando flores
entre as pedras da estrada


ouve atentamente um segredo:
sementes de flores são deusas
mudas, são magas

segunda-feira, 28 de março de 2016

respiração

para Sama

não faz muito
tua ausência
doía tanto em mim

de fazer e refazer
conheci respirar

hoje vi algumas teias
de aranha na tecedura
dos teus retratos

uma delas, bem antiga
entre a minha foto e a tua,
quer dizer... entre as nossas infâncias

domingo, 27 de março de 2016

carne viva

tudo nasce do encontro
tudo se existe no outro
e tudo passa

a um passo da vida
onde passam
todos os milagres

um em cada seis humanos
ainda sente fome

tarde demais para ser pessimista
acredito na vida

na natureza
na dança
nas crianças
nos milagres

e ofereço meu fígado com afeto...
toma querido, sem cerimônia, come!

sábado, 26 de março de 2016

diário corporal


hoje vi uma rolinha
capturada já adulta
presa numa gaiola

meu Deus, que desespero...
ferir a própria asa no agito
amputada de voar...

a minha avó cuidou da asa com zelo
diz que canta bonito
não tive coragem de libertar

é o novo mimo dela, viúva há tanto
mais de noventa caminhando
lúcida como poucos

a mesma que tentou matar
quase agora um cassaco
a pauladas no quintal

 jorrou água pela casa...
e uma poça de sangue
“era tão bonitinho!”

ela disso isso e no olhar
a maior doçura do universo
era toda amor, acertou na cabeça
e o bicho fugiu

foi  ela quem me contou
a história da avó Fulni-ô
“pega a dente de cachorro”
no meio do mato...

a natureza e suas constelações
cheias de espelhos ancestrais
na pureza furta-cor
de um pássaro preso