sexta-feira, 8 de agosto de 2008
Poeminha delicado
Não tenho nada por dentro, caralho!
Além desse transbordamento crônico
Me salvo pelo escarro, pelo vômito
Minha poesia são pulsos cortados
Esse bosque de cicatrizes é já escravo do teu gozo
É o meu jeito de libertar os rios na terra seca
Que me roubaste na transfusão do meu amor
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
Para Seu Cícero, o pintor
As paredes na janela
Rasgos expulsando a pintura
Lembrando a escultura da morte em mim
Eram meu exílio mais sincero, meu espelho
Beleza e horror dos espécimes torturados
Fabricando imagens com as veias
No verde caiado a tristeza é líquida demais
Escorre
Resta-me a vida por agora
Espargir a chuva
Rasgar as paredes
Apascentar os olhos
E depois o Sol
Se banhar na dor da terra, na espera dessa água
Rastros de um sertão inteiro ranhurado em calcanhares
Esses mapas que me seguem desde mares muito atrás
Um rosto se cobre de tantos cacos enquanto chove
E as paredes nessa hora nem existem
Vejo morto o Capibaribe: cinza
E o oceano aquele mundo: cinza
E as paredes verdes, esperando as flores
E a chuva
A pintura é rara quando ecoa em silêncio
A textura da flor na querência do grito
De uma alma de gente
Pintaram as paredes na minha janela
Rasguei palavras em seu caiado
Elas sangraram, eu vi
O cheiro é de sangue
É o bicho quem diz
É bílis o tom esverdeado
Ou é esperança?
Há tempos devorei meu quinto e último fígado
Sofro só de hemorragia interna, irreversível
Aprendi a desenhar flores muito cedo
E não corto os pulsos para morrer
É só pra circular o sangue, transfundir
Lambuza a vida querido, bebe com prazer
O cálice é de barro, estrume e pó de osso
Raspo um pouco todos os dias
Para alimentar os passarinhos
Dentro, tornei em vinho, não lembras?
Bebe, embriaga-te, suicida-me em tua sede
Não tenho mais nada para oferecer
Além desse transbordamento crônico
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