sábado, 26 de março de 2016

diário corporal


hoje vi uma rolinha
capturada já adulta
presa numa gaiola

meu Deus, que desespero...
ferir a própria asa no agito
amputada de voar...

a minha avó cuidou da asa com zelo
diz que canta bonito
não tive coragem de libertar

é o novo mimo dela, viúva há tanto
mais de noventa caminhando
lúcida como poucos

a mesma que tentou matar
quase agora um cassaco
a pauladas no quintal

 jorrou água pela casa...
e uma poça de sangue
“era tão bonitinho!”

ela disso isso e no olhar
a maior doçura do universo
era toda amor, acertou na cabeça
e o bicho fugiu

foi  ela quem me contou
a história da avó Fulni-ô
“pega a dente de cachorro”
no meio do mato...

a natureza e suas constelações
cheias de espelhos ancestrais
na pureza furta-cor
de um pássaro preso

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