sexta-feira, 21 de junho de 2013

Comediazinhas


"Se existem anjos
acho que não leem
nossos romances
sobre esperanças frustradas.

Receio que - infelizmente -
nem os nossos versos
reclamando do mundo.

Os espasmos e os gritos
de nossas peças teatrais
devem - suspeito -
impacientá-los.

No intervalo de seus afazeres
angélicos, isto é, não humanos,
assistem antes
às nossas comediazinhas
do tempo do cinema mudo.

Aos que se lamentam,
rasgam as vestes
e rangem os dentes,
preferem - penso eu -
aquele pobre-diabo
que agarra o que se afoga pela peruca
ou faminto devora
o cordão do sapato.

Acima da cintura peitilho e pretensão,
abaixo um camundongo assustado
na perna da calça.
Ó sim,
isso é que é diversão de verdade.

A perseguição em círculos
vira fuga à frente do que foge.
A luz no fim do túnel
se transforma num olho de tigre.
Cem catástrofes
são cem alegres piruetas
sobre cem precipícios.

Se existem anjos,
deveriam - assim espero -
estar convencidos
dessa alegria que oscila no terror
e nem sequer grita socorro socorro
porque tudo se passa em silêncio.

Ouso até imaginar
que aplaudem com as asas
e que de seus olhos caem lágrimas
pelo menos de riso."

(Wislawa Szymborska)

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