sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Por que seguir?

Porque estou gritando agora e ninguém me ouve. Porque eu mesma ainda não escuto toda a minha voz. Porque o meu sussurro jorra dores e paz. Porque não há razão nem loucura. Porque não quero. Porque quero mais que sempre. Porque sou. Porque me atirei do vigésimo andar e descobri que sei voar. Porque nunca fecho as janelas da casa. Porque não sou. Porque danço com a música imprevisível do vento e não caio, despenco e volto. Porque amanheço quando morro. Porque meus olhos não escondem segredos. Porque o coração canta, soprano, no mais alto tom que alguém já cantou. Porque decifro vozes que se foram, sem medo. Porque não desisto apesar do pranto. Porque não me calo e sou amante do silêncio ao mesmo tempo. Porque choro baixinho para regar o mundo todos os dias. Porque ainda não tenho todas as flores em mim. Porque pinto jardins de sonhos em qualquer parede. Porque há calos em minhas mãos e gosto, nos pés também. Porque todos os alados são minhas asas, mesmo os urubus, mesmo os anjos, os demônios, os rouxinóis e os beija-flores. Porque corto as unhas bem curtinhas para não rasgar o véu delicado da vida. Porque ando devagar, giro, salto e corro. Porque nunca paro para rezar e rezo o caminho todo. Porque não há salvação, mas existem belas veredas. Porque não chamo o amor e carrego o seu nome nas veias. Porque as vísceras são desenhos incertos traçados por estrelas cadentes na barriga. Porque o sangue não coagulou ainda. Porque não acredito na eternidade. Porque levei quarenta anos para me conhecer e todo dia descubro que sou outra e sei que é tarde demais para encontrar o não-existo. Porque não há explicação. Porque busco a sinceridade com a fome de um recém-nascido para suportar todas as mentiras e sou honesta para comigo mesma de uma maneira quase cortante. Porque dói cortar os pulsos, mas não tenho pena de ir-me. Porque errei tantas e tantas vezes e estou pronta a errar de novo. Porque adoro viver só por saber que tem um fim. Porque amo simplesmente. Porque meu ventre está repleto de pólen. Porque a insanidade queima e a lucidez também. Porque meu corpo não me pertence e é todo meu. Porque a beleza é e os feios estão apenas. Porque acredito. Porque não creio em nada somente para descobrir avessos. Porque facilmente esqueço das coisas para me espantar infinitas vezes com os mesmos milagres. Porque guardo os bons momentos na pele para sentir o cheiro das alegrias quando suo. Porque os perfumes do caminho constroem mais do que as palavras escritas. Porque os dizeres mais dentro são sempre mais belos, mas só estando nu e descalço é que se consegue escutar. Porque existem brilhos mesmo no mais negro breu. Porque há sim passarinhos que entoam músicas divinas para as estrelas e outros que chegam para beijar a aurora. Porque a lua muda toda noite. Porque fico muda de dor e ainda canto. Porque não gosto de anestesias. Porque fui feita de carne crua, mas cravei plumas em minhas costas e encontrei um socorro. Porque nunca se tem volta. Porque basta mudar o foco para acariciar novos céus. Porque não nasci de cesariana, eu vim. Porque se pode sentir o gosto de tudo mesmo usando apenas o olfato. Porque quando era criança olhava incansavelmente para o sol sem medo de ficar cega, na esperança de reter a luz nas retinas e doá-la ao redor quando preciso. Porque ainda hoje tenho pensamentos de infância e me agarro a eles com a força da minha alma velha e cansada. Porque me alimento da lama também. Porque não sei de nada. Porque o mar não morre. Porque nem todos os grilhões conseguem amarrar um espírito que masca pedaços de liberdade colhidos nos pequeninos instantes. Porque muitas coisas ainda não têm nome. Porque as lágrimas escorrem é do peito. Porque o riso é possível. Porque vale a pena. Porque sou nada. Porque tudo é tão simples quanto se pode ser. Porque sou bicho de natureza azul, vermelha, amarela, branca e negra, e honro. Porque me acendo e apago muitas vezes num movimento de rotação. Porque posso matar sedes que desconheço. Porque mesmo um beco sem saída sempre vai dar em algum lugar, basta saltar os muros. Porque os pássaros acordaram para contar a qualquer um os mesmos segredos que melodiam às manhãs. Porque a toda noite estão presas incontáveis estrelas e quando vão embora deixam o dia como regalo. Porque anoitecerá de novo. Porque ainda há muito a fazer. Porque a poesia jamais terá fim. Porque somos apenas um intervalo. Porque sim, porque sim...

Um comentário:

Magna Santos disse...

Nossa, Silvinha! Só se descobre tantos porquês quem viveu o quanto pôde...quem sofreu, quem aprendeu...e cresceu! Siga! Tem muitos viveres bons a tua espera. Beijão! Magna