quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Sobre o meu caso de amor com um rio submerso numa cidade que mostra os dentes e sua gente


Vi o céu ao longe
Confundia-se em rio
No meu horizonte
Um rio azul
Ao longe
De perto
Água turva
Lamacenta
Doída
Meu nome é Capibaribe
Não me venha dizer que sou azul
Nunca fui anjo
O que sou é beleza
Só por saber-me água
Que passa
Que segue
Que lava
Que larva, suja
Espírito morto
Saindo do ovo
Navegando a vida
Dores da lida
Mordidas banguelas
Beijos sem línguas
Fomes sem peixes
Caranguejos errantes
Moro no rio
Não no Recife
A cidade é que me corta
Em pedaços de gente
Homens inteiros
Em pedaços
Rio inteiro
Em pedaços
Eu inteira
Em pedaços
Em tua lama submersa
Escrevo alma
Com a alma em lama
Nado
Nua
Águas da cidade
Do povo
Caranguejos errantes
Corpos de fome
Mordidas sem dentes
Segurando a vida
Por que segues passando?
Quem dera ficasses
Tu, eu e o mundo
Em banho
Em nado
Mas o azul não há
É só a ilusão do céu
Que refletes ao longe
Em tuas águas lamacentas
Espírito morto
Saindo do ovo
Navegando a vida
Como os homens que te habitam
E como todos que te sonham em cores
Como eu
Chamo-te Capibaribe
E me emprestas tuas águas
Turvas
Cuspindo-me a cara
Mergulho
Quero lamber do cinza
O azul que se esconde
A mordida banguela
A fome
Beijei
Sorri
Amei
Emprestei meus dentes
E passei, como tu
Caranguejos errantes
Agora só a pintura anil
Em teus olhos negros
Lamacentos
Não, emprestarei meu riso
De novo
Meu amor
Minha mordida
Segurando a vida
Dos homens sem dentes
Que te habitam

Beberei da tinta azul
Eternamente
Lavável
Menos no corpo
Sangrando embriagado
Em tua lama
Em tantas almas

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo,bela! Adorei ler.
Surpreendente e consistente.

Deborah