segunda-feira, 28 de abril de 2008

Oração ao tempo


Futuro
Intacto
Imóvel
Lá, sempre

Presente
Dança
Salto
Aqui, atado

Passado
Olhos no rabo
Só caminha para frente

Tempo
Fragmento
Silêncio
E pés

Recebe querido
Come, usa os dentes
Tudo isso é teu

A conta já foi paga
Por um desconhecido
Um parente qualquer

Talvez teu pai
Talvez o filho

Eis o corpo de Cristo

Trepa nele
E vive

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O pão de Íris


Manhã de pássaros
Amanhã cozido
Amanhecido

Dentada banguela
Seios sugados
Enternecidos

Mulher da vida
Amolecida
Na boca do tempo

Noites de fetos
Nunca nascidos

Dias de homens
Que não voltaram
Com o pão quentinho
Para o amor e o café

Mas Íris, cravada de fé
Íris sangrou liberdade
Dançou a dureza
Na ponta do pé

Grávida de pureza
Em todas as veias
Amassa nas mãos
A hóstia das ceias

------------------------Faminta

É mãe pelo sêmen do vento
Vive a gargalhar, é contente

Caminha mascando céu e infinito
Nas pegadas do próprio ventre


E voa

terça-feira, 8 de abril de 2008

Desencontro ao redor dos tempos


Joelhos rezados sobre o chão
Terra batida, vermelho, barro
Sol escaldante secando a escuridão
Seus pés de estrada em passos surdos

A respiração se ia inimiga do vento
O peito úmido, emudecido e só
Sedento de amor meu coração tremia
Como se todo aquele sangue fosse seu


E era, ao lado, a minha fotografia

Doce e altaneira a velha senhora
Cavalgando em nossa dor sorria
Na boca que ontem era boca ainda
Em frente seguia em seu corpo fecundo

E o meu homem ali, largado
Estatística em cascas de árvores mortas
Não, não haverá enterro nem foto nos jornais
O seu corpo foi vítima da decomposição do mundo