domingo, 9 de dezembro de 2012

canto para estar vivo em dezembro


tempo de não ser antes nada
fazer sem espera, sem rosto
aqui é só um lugar que respira

estar-se, que inútil ter-te!
que vozes são essas no oco
sobre a mesa do quarto?

sóis em silêncio no peito
paredes descansam do céu
mais tristes que as ausências

sim, há mais lágrimas que as minhas
chorando-te na brancura do dia

sempre há mais lágrimas
no corpo das coisas

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Lembretes para espetar no corpo:


Vestir-se de pouco
na pele do tempo

Trazer o vento no alforje
até se libertar das asas

Nascer hoje

Estar nua
é um estado de alma

domingo, 7 de outubro de 2012

Sobre o amor e outros absurdos


A criança sem cabeça
nos braços da mãe
e os ecos de um grito

A bomba precedeu o silêncio
A moça pede água, mais nada
Achava que era sede a dor do filho

Pela criança morta
de punhos erguidos

Pelo grito materno
em meu ouvido

Acredito no amor, ainda...

sábado, 6 de outubro de 2012

ocaso


não era água nos olhos do pássaro
era inverno, creio...
talvez acenos do amor

mas que amor sobreviveria aos olhos do pássaro?

são apenas palavras nas coisas do céu
e a vida mais forte que qualquer poema

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Estações


Entre a esperança da voz
e a imanência da morte
há um verão de ausências
                 que não passa

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Inutilidades


Lambuzar de sussurros
a pele dos gritos
é o meu ofício

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Pensamentos do corpo


Para entender a beleza
foi preciso queimar os olhos
na primeira promessa diante do sol

domingo, 30 de setembro de 2012

Cenografia e figurino


Há sal e vento na paisagem
Estão todos vestidos em nós
Falo do corpo nodoso dos laços
(Nós substantivo, plural)

O que se escuta é circular:
Pode tirar os sapatos...
Isso e uns nomes de gentes

Bateram na porta, de novo, de novo
Não, ainda não é tarde

O negro na face contorce a luz ausente
“Nem tudo que brilha é assunto dos olhos”

Um varal em volta do pescoço
A cena se move
sem que os pés pressintam

Num poço bem perto da calma
uma criança beija de língua
a cara de um pássaro

A inocência costura um sopro
nos retalhos do tempo

terça-feira, 7 de agosto de 2012

agosto dos ventos

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por hoje dispenso
o cansaço a pensar
na existência de Deus

entre o bem e o mal
há sempre poços de mel
nos corpos de um jardim

às vezes, tudo é um sopro
às vezes, um sopro me basta

sábado, 2 de junho de 2012

Encontro


Ontem encontrei um homem
entre os ossos em meus seios

Cuidei da sua fome
como se fosse um filho

Apesar do tanto que sobrava em suas mãos

Os números me escaparam pelo peito
e estavam velhos...

Hoje pari os ossos
entre as folhas do umbuzeiro

Cuidei da sua fome
como se fosse um bicho

E eles, os tempos, como sempre,
vertendo seu leite sobre todos os mistérios

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Movimento

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As árvores lentamente caminham
seu rastro verde sob o céu.
Um lento tão vertical!


Às vezes somos pobres
para o tempo que escorre
entre as folhas que nos olham.


Raízes e asas não precisam da gente para quase nada.
Agitam-se e aprendem o vento...
----------------------------------- O espaço...
--------------------------------------------------A vida...

Acalmam-se...
-------------------E já é a vida.

quarta-feira, 21 de março de 2012

As mãos

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No leito de suas sedes mais delicadas
Ela viu a cor do invisível um dia
Tinha outros nomes e uma imagem
Como o vento se chama tantos e se vê

Os lírios, os seios, os dentes, as asas...
Desejou por fé no gozo que sentia
As vozes em volta diluídas na paisagem
O corpo de Dalí, no ventre de Monet

Contradições! Olho e dou risadas
Da saia que guardei e ainda uso
Daquele tempo de pedras e facas

Da gaze branca, avermelhada
Roçando nela como o pulso
De um coração que falta

Lambi suas lágrimas
Antes do café de ontem
Porque gosto do sangue

Não, minto...
Fiz pela paz da orgia
Em suas mãos ausentes

sábado, 10 de março de 2012

orientação

(para o amor e para o velho Guima, humildemente)

"Esperar é um à-toa muito ativo.”
(João Guimarães Rosa)


onde estariam meus pés
se caminhassem agora
quando te espero entrar

com a ruga na testa
de quem luta faz tempo
n´alma tua e ausente?

marcas de uns enganos
alguns encontros e outros
passos que o dia sopra...

obras do viver
enquanto se vive
com os pés no rio

eternamente

rio que dança e mostra os dentes
por tão doce saber-se a-mar-go
de corpo inteiro

sexta-feira, 9 de março de 2012

Carta a Sabra, Shatila e Esperantina

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Porque meu pai não morreu na guerra
Fui feliz desde menina

Se com os idos caísse ferido
De um lado que não acredito

Ou sonhasse distinto
Só por ter partido...

Ou quem sabe o barro
Guardião das minhas unhas

Escorrendo pelos braços
-----------Como agora?


Protegida ao acaso
Não colhi seus ossos

A sangrar meus olhos
Com as tuas lágrimas

Entre ir ou ficar
São sempre tantas vidas

Meu quinhão para sorrir
E também para chorar

Porque meu pai não morreu na guerra
E fui feliz desde nascida