terça-feira, 29 de dezembro de 2015

visões ordinárias da vida-borboleta

a lua cheia
uma águia de asas abertas no céu
uma bolha de sabão bem de perto

uma estrela cadente e uma criança, juntas
a palavra consente no coração de um louco

uma poça a refletir o sol
nos ombros do amigo

uma flor amarela
entre escombros

infinito-abismo
liberdade-cárcere
de ser apenas

esse terrível assombro
mortalmente bela

terça-feira, 17 de novembro de 2015

canto ao guerreiro em meu cheiro de cravo

até fomos amigos
filhos e encantos

crianças desprovidas de vestes
desvestidas de máscaras
amantes sem amanhã

até caminhamos de mãos dadas
nos olhamos por dentro
expulsamos escuros refazendo mapas

até retecemos a luz
entre os corpos suados
sem vontade de ir

guerreiros em paz
a salvar um mundo

na memória das mãos
o amor é tão nosso
que nem carece de nome

sagrado em ter nascido
sem querência nem fome
de sua própria geografia

sábado, 7 de novembro de 2015

sob o canto das baleias

(com uma gratidão infinita aos milagres do tempo e à mágica desses acasos-encontros tão inevitáveis quanto a vida)

ando distraída na morte
despreparada no mundo
sorrindo, em risco constante
o amor, ele...
às vezes passa com um movimento
de cabeça e olhos como se usasse da fé
às vezes lambe com a língua de todos os animais
às vezes simplesmente se devolve em dentes
às vezes lodo
às vezes campo
às vezes fogo
às vezes nada
às vezes corpo
às vezes medo
às vezes limbo
às vezes caldo
às vezes pão
às vezes tonto
às vezes tanto
e sempre mais
somos só um intervalo
entre o não ser e o além
um mistério, um milagre
só exijo amar
caminhar distraída
na morte e na vida
nua e selvagem
como a serpente que me guia
abrindo na terra outros leitos
para as águas que virão
das profundezas azuis
desse infinito antigo

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

de águas e de ar

fui pega de surpresa aos 40
cheia de infâncias
e olhando o mar...
inauguração sem fim
de tanto espelhar o céu

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

corpo cotidiano

todos os dias
a vida me atravessa
em dores próprias e alheias
e sou indefesa diante de nós

todos os dias
tenho medo

todos os dias
uma visita me bebe

todos os dias
uma velhice se brota

todos os dias
o abismo

todos os dias
o riso

todos os dias
a morte

todos os dias
o gozo

todos os dias são tantos
regaços em chamas
ou tempestades e ventos
ou mar, tufão, redemoinho...

todos os dias
amo mais e caminho

todos os dias
o adeus nos olhos
e o abraço pronto

terça-feira, 29 de setembro de 2015

sangração no teu quintal

hoje pari dois anjos
num quintal que te habita
e nada era meu

das flores em meu ventre
muitos homens, escravos e animais
foram mundo

ainda reconheço
as marcas dos pés

os dois anjos agora
me olham nos olhos

sim, esses olhos
coisa minha

o tapete está limpo como uma ovelha
mas no piso de madeira eu vi
há sangue ainda

minhas mãos são pássaros
há muitas vidas

sim, essas mãos
coisa minha
nesse quintal que te habita

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

carta de uma senhora má aos seus

é o milagre que exijo
a tudo que abraço
toco, quero e posso dar

dolorido, talvez

egoísta, um tanto

mas só o milagre eu peço

nossas crises... me cansam!

nesse mundo

nada mais me serve
nem parece real

só o milagre eu danço

na arte de amar a morte
em seu pedaço vivo

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

...

(21/05/15)

silêncio, silêncio!
dizem a chuva e o vento
as lonjuras e o mar
e as abelhas

a boca lambuzada de mel
silêncio, silêncio, silêncio!

terça-feira, 18 de agosto de 2015

feita de presente

(para Sama em 29/03/09)

hoje, teu riso trêmulo
aquele de mãos dadas
à criança devorada
na fome antepassada do teu sangue

jogou-se em meus braços
e morri contigo, rindo
infantilmente firme de amor...
nunca fui tão eterna como hoje

agora tuas mãos espelham meus lábios
teus pais se recolheram ao leito
minha boca se espalha em teus dedos

imensa, sem dentes
para que a eternidade não se apavore
por hoje termos nascido juntos

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

tempero de assombros

sinto o gosto do sal
o corpo na rua
desfronteira do encontro

vida,
estranha ferida
aberta entre ventos

tu mesma o moinho
devaneio e acaso

seria triste
não fosse a beleza em riste
a cada cicatriz que planto
a cada cicatriz que abraço

morte,
hoje feri desesperos de azuis
só para tocar teu rosto
com a língua

quinta-feira, 2 de julho de 2015

inocência entre incêndios


voz, grande dádiva,

te espero sobre os telhados
contando estrelas
pisando medos
com a força de 12 velas

como os meninos de El Salvador
enquanto eu falava de amor
num ingênuo instante

voz, grita-me!
amor, morre-me!
deus, ajuda-me a matar em paz!

domingo, 7 de junho de 2015

quase eu

e eis que acordo
aos quase quarenta
e me deparo com o espelho

meu retrato de Dorian Gray
crina
          cavalos brancos e negros
galopando no vento

outros bordados

se é para doer que doa
a-te-cer movimento
até ser

se é para doer que doa

até passar...

domingo, 1 de março de 2015

inúteis importâncias vitais

acreditar no silêncio
ver cores no escuro
errar por escolha
encruzilhar esquinas
abandonar o verbo
movimento...
silêncio
escuro
escolha
esquinas
verbo
movimento
porto...

olhares

dia de errâncias...
sonho motins nos silêncios da rua
por delicadeza a vida se esvai

acaricio a morte e o gozo
sou também de dentes e fomes
rio e mordo quase o tempo todo

saciada de belezas fecho os olhos...
e felizmente choro


domingo, 22 de fevereiro de 2015

pequenezas

havia flores tristes em minhas mãos
hoje cedo enquanto a vida
se acreditava lá fora

quem cruzar meu caminho hoje
não terá recompensas
tão menos promessas de amor

somente o espetáculo da flor
luta em cada uma das suas pétalas