sábado, 18 de outubro de 2008

Crise de asma


Um encontro com Van Gogh debaixo do umbuzeiro

Os meus olhos
Começam no peito

Isso dói na cegueira
De seguir vivendo

A dádiva de ver
É o que me salva
E também o que me mata mais

Toda vez que olho o sol
Como se ele me acendesse

E isso é antigo como uma criança

Agradeço todos os dias
Meus seis graus de miopia peitoral

Como um fumante tranqüilo agradece
O cinza que leva por dentro

Respiro com o coração
Amo por todos os poros

Sem a miopia não molharia o espelho
Como o oleiro cria o barro em suas mãos

Nem suportaria olhar o sol
Até dividir o vermelho
---------------------e dormir
E cobrir tudo de tinta

A noite é o sol mirando um outro corpo
As estrelas, ora sonho, ora gozo
Ora saudade do ingênuo pesadelo

Será que Van Gogh sofria de asma também
Ou era só xantopsia?

O bicho-papão nunca vem
Mas a Bicha Bruzacã habitou meu quarto
Em carne e osso nas janelas do Sertão

Quem já viu a cor da dor
Em suas vestes amarelas
Faz da vida a sua arte
Nebuliza desertos
Cicatriza geografias

Se alimenta do azul
No mesmo pote em que morre de sede

A natureza sertaneja não se farta de nada
Mas tem olhos mais bonitos que o sol em pessoa
Quando crava em terra seca a esperança da chuva

E a lua daqui é imensa nessa luta. Linda!
Como o peito da criança asmática

Tá tudo bem pequenina
Os girassóis também são tristes


“La tristesse durera toujours”
(Vincent Van Gogh)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Expiração


Hoje as asas em meu peito
Batem ainda mais dentro

Desejo o silêncio
Quero trepar com ele
Me lambuzar em seu sal
Arder cicatrizes

Ouço vozes
A natureza
Desavesso

O vazio que vemos
Nem é real
Ecoa a vida

Levamos corais nos seios
E em si o sol dos vôos

Tristes?
Felizes?

O mesmo número de letras
Não sós, todos juntos
Os eus do mundo

Pássaro torto
Feio e flor
Vida e vida
Tudo mais

Dois com infinito
Noves fora nada

Luz e escuro
Sol e muro
Céu e outro
E eu, e tu

A gente
O que é plural singular sendo

Silêncio é música ou grito?

O invisível não mente
Diz
E pronto

Que dádiva meu Deus!
Danço com o vento
Como quem traz poesia

Com rima ou sem rima
Ouço os segredos do tempo

Dou a voz que nem tenho
Pela nossa alforria

Mordendo o dia
Lambendo o gozo em nossos pés
Beijando a terra em nossos lábios

Parindo estribilhos
Nesse mesmo ventre
Onde cantam nossos filhos

Hoje as asas em meu peito
Batem ainda mais dentro
De ti

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A história da gaiola que engoliu vivo um sabiá


Como ouvir o grito
Dessa beleza alada
Que destinada ao infinito
Na imensidão do nada
Só aprendeu a cantar?