quinta-feira, 27 de outubro de 2016

sobre asas, quedas e raízes

o café hoje amargou-se um tanto mais
e no labirinto azul das minhas mãos
uma monja atravessou em silêncio
nossos costumes e a minha língua

quanto mais o amargo corta
mais sinto a fé no milagre
de estarmos aqui, agora, todos
eu, você, o café, ainda, as palavras

e essa monja vestida de negro
a dançar entre os mortos
a mansidão travosa dos gostos
plantados no quintal do tempo

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

arrecifes

ando sonhando pedras
acontecidas em intervalos

essas vozes antigas
crinas, mandíbulas

são sábias as pedras
acontecidas em intervalos
e duras, e doem, e lindas

é ou não é um milagre
existirmos tão juntas,
ao mesmo tempo?

nós, nossos dentes, o mar
e essas pedras de aqui
esse intervalo compartilhado...

domingo, 2 de outubro de 2016

quando a lua escura nasce sangrando em amarelo

segundo dia de lua nova em outubro

I

às cinco da tarde
os trincos enferrujaram
as trancas perderam os dentes

o vento sentiu em seu rumo
alguém se desfechando e sorriu
passando, como sempre

II

um menear de cabeça
un cante más jondo
um rodopiar delirante

tudo no mundo envelhece
anoitece, dança, tropeça, cai...
os trincos e as trancas também

a vida de todos os seres
transitórios que somos
não passa de um milagre

III

às cinco da tarde
caiu um milagre
em meu colo

as unhas e os cabelos
se parecem com os meus

sem espelhos nem vestes
abro os braços imensos
na soleira da passagem

e olhando o sol de frente
não peço nada