Ontem ouvi o homem falar do mundo seu, nosso, esse todo desconhecidamente íntimo que às vezes conseguimos dividir em pedaços.
Retinas feridas, miopias acesas, projetando sonhos, e perdas.
Dizia mais ou menos uns gostos, uns cantos, umas ranhuras cavadas na existência de ver a estrada, os rostos, as mãos, as lutas também.
Suas unhas sujas de barro me davam o chão suportável aos pés rachados de tanto vôo (com acento sim, porque escolho não tirar o pássaro ali de cima, sempre vi um pássaro nascido aprendendo a voar nessa palavra misturada ao ovo).
Estava partindo o homem. E só. Como todos nós.
Um minuto aqui e de repente não mais. O adeus.
Fiquei nua em silêncio, a boca lavada com aquele barro velho das suas carícias esculpindo memórias em desejos que já se bastavam sozinhos. Lembranças de línguas e dedos e pernas e braços, belezas suas, únicas, abraços, cacos unidos na eternidade do bom enquanto foi. O vento.
Deixou suas roupas no banco da praça e saiu cantando, uma música que ecoa aqui no oco do peito sempre que toco seu nome, feito de noites e sóis e auroras e mortes e vidas demais.
Essa angústia que rodopia no esquecimento é amor também?
É pra doer ainda?
E esse espasmo danado de não saber se choro ou se ajoelho...
Meu Deus, por favor, ensina-me a viver!