quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Lugar-comum


Rosas se contorcendo pelo chão
Pétalas vermelhas caídas
Traídas nos punhos da razão

Amantes cerrados nos parapeitos
Dos muros abertos na memória
E as dores do mundo no leito

Onde já deitaram tantas bocas
Amor, essa mordida da vida
Corpo e alma em colapso

E o grito de sempre no espaço
Dessa palavra tão simples
Quanto a respiração das rosas

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Para nós que comemos a vida

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O ronco vazio dos homens secos anunciava a hora da fome. Eu que há muito não sinto dores minhas, seguia em lágrimas pelo mundo doente, comendo a existência, alimentando-me do amparo em saciar o dia com meus pedaços de carne viva, doando risos, salvando sonhos, esses intervalos entre a felicidade e a vida.
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Hoje o nada já não é se estiver cheio de mim e isso me basta para caminhar, mas tem o vento que arrasta a vela e ainda que o corpo grite o desejo de desbravar o oceano da alma, o vento é capaz de mudar o rumo dos barcos ao amanhecer, simplesmente mudar.
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Entreguei-me ao acaso das horas vivazes como sempre, inteira, devorando entre os dentes o gosto das frutas colhidas ao lado do outro, humanos insanos, que como loucos e como eu se alimentam do ser. As horas morrem rápido e para não se entregar à dor de enterrá-las, é preciso viver cada uma delas intensamente, como se fossem sempre o último espreguiçar antes do anoitecer de todas as luzes.
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A mesa posta sobre os corpos, tão bela quanto a inocência de uma infância sem pesos, fortalecia-se de cheiros. Eu sabia que a refeição seria prazerosa e não havia tristeza alguma em degustar as migalhas como a um maravilhoso banquete.
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Existia qualquer odor de febre entre uma dentada e outra, mas uma febre deliciosa mostrando que a felicidade está sempre em saciar a fome do outro, como se fosse a nossa própria avidez e que é.
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Ainda que as vísceras do mundo inspirem a anorexia, nem tudo merece ser vomitado. Há colheitas raras que nunca serão esquecidas no caminho gustativo do extenso paiol dos sensíveis, mesmo que perecíveis, subtraídas da eternidade, serão sempre alimento nos momentos que desprendem suas raízes da terra, e não simplesmente comida.
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O gosto da vida é algo presente em meu hálito e a cada refeição recheio ainda mais o pensamento de que dividir a mesa posta com afeto já se traduz em si numa forma de saciedade. Comer, nesse caso, é só a concretização física de algo que já havia nutrido a alma antes mesmo do corpo pedir a sua parte.
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As lágrimas derramadas pela dor do mundo sangrando são adubos para esse pomar sem dono, que floresce mesmo no inverno, mas não brota maduro. Para comer o fruto inteiro é preciso dançar com o tempo, no compasso mais terno possível ao espírito, até que as sementes se transformem em asas, fecundando novas terras, criando outros jardins, espalhando o pólen das flores escondidas na vastidão frondosa da alma, guiado simplesmente pelo rumo impreciso do vento.
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Mesmo que a gargalhada vazia dos homens secos que provocam meu pranto se misture aos cantos dos pássaros nas copas, o som do canto será sempre mais belo e tão real quanto. Acompanhemos a música, comendo cada nota como se fosse a própria vida, afinal o hoje nos foi dado de presente e também a nossa mesa farta de migalhas, saciando a fome de dar e receber na mais doce e mais valiosa de todas as trocas: o afeto.