Porque estou gritando
agora e ninguém me ouve. Porque eu mesma não escuto a minha voz. Porque o meu
sussurro jorra dores e paz. Porque não há razão nem loucura. Porque não quero.
Porque quero mais que sempre. Porque sou. Porque me atirei do vigésimo andar e
descobri que sei voar. Porque nunca fecho as janelas da casa. Porque não sou.
Porque danço com a música imprevisível do vento e não caio. Porque amanheço
quando morro. Porque meus olhos não escondem segredos. Porque o coração canta,
soprano, no mais alto tom que alguém já cantou. Porque decifro vozes que se
foram, sem medo. Porque não desisto apesar do pranto. Porque não me calo.
Porque choro baixinho para regar o mundo. Porque ainda não tenho todas as
flores em mim. Porque pinto jardins de sonhos em qualquer parede. Porque há
calos em minhas mãos e gosto, nos pés também. Porque todos os alados são minhas asas, mesmo os
urubus, mesmo os anjos, os demônios, os rouxinóis e os beija-flores. Porque
corto as unhas bem curtinhas para não rasgar o véu delicado da vida. Porque
ando devagar e despenco enquanto corro. Porque nunca paro para rezar. Porque
não há salvação, mas existem belos caminhos. Porque não chamo o amor e carrego
o seu nome nas veias. Porque as vísceras são desenhos doidos traçados por
estrelas cadentes. Porque o sangue não coagulou ainda. Porque não acredito na
eternidade. Porque levei trinta anos para me conhecer e todo dia descubro que
sou outra e sei que é tarde demais para encontrar o não-existo. Porque não há
explicação. Porque busco a verdade com a fome de um recém-nascido para suportar
todas as mentiras. Porque dói cortar os pulsos, mas não tenho pena de parar de
respirar. Porque errei tantas e tantas vezes e estou pronta a errar de novo.
Porque amo viver só por saber que tem um fim. Porque amo simplesmente. Porque
meu ventre está repleto de pólen. Porque a insanidade queima e a lucidez
também. Porque meu corpo não me pertence e é todo meu. Porque a beleza é e os
feios estão apenas. Porque acredito. Porque não creio em nada somente para
descobrir avessos. Porque facilmente esqueço das coisas para me espantar
infinitas vezes com os mesmos milagres. Porque guardo os bons momentos na pele
para sentir o cheiro das alegrias quando suo. Porque os perfumes do caminho
constroem mais do que as palavras escritas. Porque os dizeres mais dentro são
sempre mais belos, mas só estando nu e descalço é que se consegue escutar.
Porque existem brilhos mesmo no mais negro breu. Porque há sim passarinhos que
entoam músicas divinas para as estrelas e outros que chegam para beijar a aurora.
Porque a lua muda toda noite. Porque fico muda de dor e ainda canto. Porque não
gosto de anestesias. Porque fui feita de carne crua, mas cravei plumas em
minhas costas e encontrei um socorro. Porque nunca se tem volta. Porque basta
mudar o foco para acariciar novos céus. Porque não nasci de cesariana, eu vim.
Porque se pode sentir o gosto de tudo mesmo usando apenas o olfato. Porque
quando era criança olhava incansavelmente para o sol sem medo de ficar cega, na
esperança de reter a luz nas retinas e doá-la ao redor quando preciso. Porque
ainda hoje tenho pensamentos de infância e me agarro a eles com a força da
minha alma velha e cansada. Porque me alimento da lama também. Porque não sei
de nada. Porque o mar não morre. Porque nem todos os grilhões conseguem amarrar
um espírito que masca pedaços de liberdade colhidos nos pequeninos instantes.
Porque muitas coisas ainda não têm nome. Porque as lágrimas escorrem é do
peito. Porque o riso é possível. Porque vale a pena. Porque sou nada. Porque
tudo é tão simples quanto se pode ser. Porque sou bicho de natureza azul.
Porque acendo e apago muitas vezes num movimento de rotação. Porque posso matar
sedes que desconheço. Porque mesmo um beco sem saída sempre vai dar em algum
lugar, basta saltar os muros. Porque os pássaros acordaram para me contar os
mesmos segredos que melodiam às manhãs. Porque a toda noite estão presas
incontáveis estrelas e quando vão embora deixam o dia como regalo. Porque
anoitecerá de novo. Porque ainda há muito a fazer. Porque a poesia jamais terá
fim. Porque somos apenas um intervalo. Porque sim, porque sim.
6 comentários:
Sil, por que você escreve o que penso? Por que tudo é tão lindo mesmo quando é triste? Ou melhor, por que é lindo especialmente quando é triste?
Beijos azuis!
Mil
queria muito te ver por aí, te encontrar por acaso e saber de que planeta você brotou menina.
São tantos os porquês. Também sou assim. Gostei bastante do seu texto.
2008
Pense nos seus desejos.
Torço para que eles se realizem, desde que seja para o seu bem.
Quanto às dificuldades desejo sabedoria para lidar com elas.
Beijos no coração e abraços carinhosos.
porque tu é linda? eehehehe Ainda bem que sou tua amiga e conhece esse endereço aqui para ler coisas maravilhosas. Te amo
boletes
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