Isso
é sobre mim mas em algum lugar, talvez, no fundo, também se encontre com algo
sobre você, que agora chegou aqui. O movimento começa pelo ventre e testemunho
invisíveis como quem dança cortando as unhas para não rasgar o véu delicado da
vida.
Devaneio
numa madrugada em que sangro e agradeço o milagre celebrando a generosidade da
moça vestida de assombro que acena plantando uma sombra num quintal aberto... Sinto
que é preciso ocupar e ocupar-se de coisas sem antes, sinto que é preciso mudar
a experiência das mãos com a seiva da terra... Sinto que algo perdeu o rumo e
caminho assim mesmo, nua e molhada de muitas fontes.
As
solas dos meus pés pisaram descalças muitos chãos além Marrakech, muito depois;
nas areias do Saara, Tamil Nadu e aqui a memória em meus cascos está prenhe de
auroras, estrelas e eclipses solares e lunares em céus plurais... Fui às
senzalas, às matas, vi a chuva cobrir de flores, como milagres da noite, a
terra seca do Sertão e montei cavalos sem selas e arreios bem cedo ainda. Comi
o pão que o diabo amassou por escolha, medo e enfrentamento e sobrevivi sendo a
água nas cicatrizes dos santos... Sorri aos mortos e aprendi a dormir em paz,
no escuro, sem disfarces nem rezas... Sinto que todas as memórias nos agoras de
um dia podem transbordar rios esquecidos e acordar galáxias, transmutar signos,
plantar gestos-sementes em todos os chãos...
Vejo
os homens, vejo as ruas, os postes, os carros, cimentos, tormentos, a fome...
Não nomeio o que sinto por incapacidade de síntese e por esperança. Falo com
gatos, serpentes e espaçonaves e nos encontros com seres da mesma língua são os
olhos que dizem mais, palavra ou silêncio, sinto que tudo se acende, passado,
presente e futuro, mas nem todo mundo ouve os sonhos por excesso de gritos por
dentro. Por eles ajoelho e choro, como
quem rega uma nascente que não se sabe, esparge, mais nada.
Teimosa
em acreditar, despertei no silêncio algumas técnicas de amassar estrumes com as
mãos abertas, ancorar intentos, percorrer insone outros mares mais profundos
que a minha solidão... Um outro tempo se aproxima e quero estar pronta para morrer
em paz... E digo isso mirando descuidadamente o infinito, sorrindo, com a fé da
criança a encher de tranças os longos cabelos da velha no espelho, preparando com
zelo o banho de ervas quentinho para o próximo parto e saboreando sem culpa o seu
copo de café com rapadura e fumaça.
Agradeço o milagre celebrando a generosidade da moça vestida de assombro que acena plantando uma sombra num quintal aberto... Sinto que é preciso ocupar e ocupar-se de coisas sem antes, sinto que é preciso mudar a experiência das mãos com a seiva da terra... Sinto que algo perdeu o rumo e caminho... Já está chegando a lua crescente outra vez.
Agradeço o milagre celebrando a generosidade da moça vestida de assombro que acena plantando uma sombra num quintal aberto... Sinto que é preciso ocupar e ocupar-se de coisas sem antes, sinto que é preciso mudar a experiência das mãos com a seiva da terra... Sinto que algo perdeu o rumo e caminho... Já está chegando a lua crescente outra vez.
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